terça-feira, 8 de junho de 2010

Historia da igreja católica, e algumas fotos da prodissão Corpos Criste em Garanhuns



«Interior da Igreja de Santa Costanza, Roma - séc IV.

construída sobre o magnífico mausoléu de Constantina, filha de Constantino.

As abóbadas e as absides são decoradas com mosaicos»



A Arte Cristã

xistem várias formas de classificar e estudar as obras de arte. Elas podem ser agrupadas por estilo, por período, por seu país de origem, por um reinado, etc. Também é perfeitamente possível estudar obras de arte que foram inspiradas por uma determinada religião.



Assim, paralelamente aos artigos sobre a construção de igrejas ("A Igreja através dos tempos"), acreditando que um complementa o outro, A RELÍQUIA passa a publicar uma série de matérias sobre a Arte Cristã. E para contestar qualquer argumentação contrária, basta lembrar que os maiores artistas de todos os tempos, independentemente de seus princípios filosóficos, sempre se voltaram (e se voltam), vez por outra, para a criação de uma obra de arte inspirada pelo cristianismo. Seja pela interpretação pictórica dos textos bíblicos, pela representação de cenas do Apocalipse ou pela releitura do Cristo crucificado em diferentes criações.



Como todas as coisas, a Arte Cristã teve um começo e, neste caso, de forma surpreendente. Depois que Cristo deixou sua doutrina, doze trabalhadores da Palestina andaram pelo mundo e o modificaram espiritualmente. Tanto que até hoje milhões de pessoas do mundo inteiro se reúnem em torno das igrejas de suas cidades e vilas. Mas voltemos ao começo: a necessidade de um local para o culto, a primeira igreja, os primeiros símbolos, a ilustração da primeira Bíblia, o primeiro crucifixo, a primeira imagem de santo, a primeira Virgem e o Menino, toda a história cristã é retratada em sua arte.



Como toda criação artística, a arte religiosa sempre esteve sujeita a limitações, principalmente financeira (trabalha-se dentro de um orçamento). Como a Arte Cristã é utilitária, limita-se a criação do artista, pois a chamada arte eclesiástica serve às necessidades da Igreja, tudo dependendo das regras impostas, do tamanho dos templos e de suas formas de edificações. Na pintura, os acontecimentos que determinaram as origens da Igreja e os grandes mistérios da fé foram representados para instrução e edificação dos devotos. As exigências do clero eram rigorosas, sendo a utilização da obra definida no momento da encomenda. Sem contar que existiam formas tradicionais, quase obrigatórias, para representar alguns temas, como por exemplo a "Adoração dos Reis Magos", a "Entrada de Jesus em Jerusalém", "O Batismo de Cristo", "A Santa Ceia", etc. O fato é que pelo respeito e pela natureza sagrada da arte cristã, impediram o surgimento de maiores inovações, o que acabou contribuindo para seu esplendor.



Conforme foi dito no primeiro artigo "A Igreja através dos tempos", o cristianismo nasceu e se desenvolveu num mundo em que a religião, o império e o patriotismo eram muito ligados. Desenvolveu-se no âmago do paganismo imperial, da religião estatal e da expressiva lealdade do imperador. Também a arte era oficial, imperial e pagã, de forma que a arte cristã só poderia começar em pequena escala. As primitivas igrejas eram muito discretas, instaladas em construções simples sem qualquer característica que as identificasse. Em termos de arte, até o século IV, o máximo que os arqueólogos encontraram nessas casas foram pinturas do martírio, talvez apócrifas, de São João e São Paulo.





«Pintura mural do Batistério de Dura-Europos, séc. III. Embaixo as Três Marias no Santo Sepulcro»



Em uma pequena cidade fortificada chamada Dura-Europos, localizada nas margens do Eufrates, uma guarnição romana construiu, no ano de 265, um reforço alto de terra atrás das muralhas atacadas pelo inimigo, para isso derrubando várias casas, mas preservando o que seria uma igreja. Recentemente descoberta, essa casa, que era exatamente iguais às outras, possui uma porta falsa e um pátio quadrado que se liga a uma sala ampliada onde fora construída uma plataforma, provavelmente o altar. Num dos cantos, uma descoberta notável: um batistério com um receptáculo para banho, coberto por um baldaquino e fragmentos de afresco. Nas paredes do batistério, pintadas em estilo simples, cenas de Adão e Eva, Davi e Golias, Cristo andando sobre as águas, O Bom Pastor (foto ao lado) e uma procissão de mulheres levando velas para um sarcófago iluminado. De acordo com o professor Jean Lassus, foi um golpe de sorte entrar numa daquelas igrejas da Mesopotâmia e verificar a decoração em um cenário que naquela época era tão oriental quanto possível. Constatou-se tratar da "arte parda", provavelmente a arte alexandrina da Ásia, sendo reconhecíveis convenções e idéias características da arte bizantina, como o uso da frontalidade, ausência de relevo e a espiritualidade dos rostos. Embora a arte cristã se originasse fora do mundo mediterrâneo, foi por ele influenciada.










«Dafne, Grécia - Segunda metade do séc. XI.

Igreja construída com inspiração bizantina»



Expansão Bizantina

No século IX o Oriente assistiu o renascimento do poder bizantino, principalmente quando Basil se livrou de Miguel III e fundou a dinastia Macedônia, que reinou brilhantemente até a metade do século XI. Bizâncio reconquistou, em 880, as posições perdidas na Itália e Basil II livrou os Bálcãs das influências russas e búlgaras. O poderoso império ressurgiu depois que Nicéforo II expulsou os árabes, ocupando a Cilícia, a Síria, Armênia e Chipre.





«Crucificação de linhas sóbrias em Dafne»



A arte bizantina acompanhou a expansão do império, fazendo com que até as igrejas basilicais de estilo ocidental, na Sicília dominada pelos normandos, fosses decoradas com mosaicos bizantinos. O ponto de partida desta nova expansão era obviamente Constantinopla, onde Hagia Sophia recebeu nova decoração imperial, com os mosaicos cobrindo as paredes com motivos celebrando a coroação de imperadores, com o ícone substituindo o ídolo e de novo o mosaico, agora substituindo a escultura.



Basil II ordenou a construção de uma nova igreja em Constantinopla, chamada "Nea", que depois foi destruída, mas o seu modelo serviu para construir outra igreja, a da Assunção em Nicéia, que depois seria também destruída.



O mosteiro de Dafne, a exemplo de alguns no ocidente e muitos no Oriente, parece um oásis. A cúpula ergue-se sobre paredes brancas e douradas, entre ciprestes e palmeiras, com os mosaicos saudando o visitante com uma luz intensa, apesar de certa frieza clássica. A Crucificação é muito sóbria. A Virgem e São João são tratados isoladamente, este sendo apresentado como uma estátua, o que sugere antecedentes fora da arte cristã, da escultura grega antiga. Todos estes monumentos oferecem uma impressão de dignidade, discrição e nobreza. A influência da arte da corte pode ser sentida até mesmo em mosteiros distantes, a mesma impressão que se tem ao folhear as páginas de um manuscrito imperial bizantino desta época. Na Nea Moni as cenas estão mais próximas dos modelos de Constantinopla. Surpreende as pálpebras vermelhas e sombras verdes no rosto da virgem, que repousa sua face na mão de Cristo, enquanto Ele é retirado da cruz. Como acontece no excelente quadro do Batismo, os traços de Cristo, de São João e do anjo são mas impassíveis.





«Mosaico com o imperador Constantino II e a Imperatriz Zoé - 1030. Hagia Sophia Constantinopla»



Na Grécia, três igrejas são provas do esplendor da expansão bizantina. Todas são igrejas de mosteiros: Hosios Lukas na Fócida (início do século XI), Nea Moni em Chios (1050) e o mosteiro de Dafne na estrada de Atenas a Eleusis. Ainda surpreende descobrir nestas construções alguns toques peculiares à inspiração bizantina deste período. Hosios Lukas - igreja do mosteiro de São Lucas - tem uma cúpula central dominada por um medalhão de Cristo cercado de arcanjos e profetas. Acima de uma virgem sentada na abside existe outra cúpula com os apóstolos sentados em círculo recebendo a iluminação do Espírito Santo. Mos nichos sob a cúpula estão representadas a Anunciação, a Apresentação no Templo e o Batismo no Jordão. No lado oposto à entrada está a Crucificação - Cristo na cruz com a Virgem e São João, a Ressurreição, a Lavagem dos Pés e a Incredulidade de São Tomé.



As pinturas encontradas na igreja de Dura-Europos foram concebidas de forma idêntica às pinturas das catacumbas romanas, o que levou historiadores a afirmarem que a escolha de temas que seriam representados nas paredes já estaria pré-definidos e que a Igreja primitiva tinha acesso aos mesmos modelos que originaram os pisos de mosaicos pagãos executados em todo o Império Romano.





«Orans - Pintura sobre reboco do século III nas Catacumbas Romanas. Representa uma mulher com os braços levantados em súplica e oração num cenário que sugere o paraíso. Sob a pintura, os loculi, ou sepulturas escavadas na rocha»



Um dos dogmas da Igreja era a crença na segunda vinda de Cristo e esse tema da ressurreição do corpo foi também representado nas paredes de Dura-Europos. Se no início os cristãos achavam que o retorno do Messias era iminente, depois anunciaram que a profecia seria cumprida, mas em tempo indefinido. Provavelmente por isso os cristãos eram proibidos de cremar os mortos, prática comum entre os romanos.



Como os cristãos insistiam em sepultar os seus mortos, surgiram problemas relacionados com os cemitérios, tornando-se necessário um espaço maior. Se em muitos lugares foram criados cemitérios em áreas fora dos muros das cidades, ao ar livre, em Roma, particularmente, os católicos adotaram um tipo de cemitério usado anteriormente pelos pagãos e que consistia numa rede de túneis subterrâneos conhecidos como catacumbas. Como era necessário utilizar o mínimo da terra disponível, os túneis eram sempre estreitos. Quando todos os lóculos (loculi) estavam ocupados, a altura e profundidade do túnel eram aumentadas com a finalidade de receber mais corpos. Outros túneis seriam escavados no nível inferior e também em direções diferentes, o que resultou nos impressionantes labirintos em torno de Roma, tão extensos que ainda hoje novos túneis são descobertos.





«A Ressurrreição de Lázaro - Pintura sobre rebôco, séc. III - Catacumba de São Pedro, Roma»



As pinturas encontradas na igreja de Dura-Europos foram concebidas de forma idêntica às pinturas das catacumbas romanas, o que levou historiadores a afirmarem que a escolha de temas que seriam representados nas paredes já estaria pré-definidos e que a Igreja primitiva tinha acesso aos mesmos modelos que originaram os pisos de mosaicos pagãos executados em todo o Império Romano.



Um dos dogmas da Igreja era a crença na segunda vinda de Cristo e esse tema da ressurreição do corpo foi também representado nas paredes de Dura-Europos. Se no início os cristãos achavam que o retorno do Messias era iminente, depois anunciaram que a profecia seria cumprida, mas em tempo indefinido. Provavelmente por isso os cristãos eram proibidos de cremar os mortos, prática comum entre os romanos.



Como os cristãos insistiam em sepultar os seus mortos, surgiram problemas relacionados com os cemitérios, tornando-se necessário um espaço maior. Se em muitos lugares foram criados cemitérios em áreas fora dos muros das cidades, ao ar livre, em Roma, particularmente, os católicos adotaram um tipo de cemitério usado anteriormente pelos pagãos e que consistia numa rede de túneis subterrâneos conhecidos como catacumbas. Como era necessário utilizar o mínimo da terra disponível, os túneis eram sempre estreitos. Quando todos os lóculos (loculi) estavam ocupados, a altura e profundidade do túnel eram aumentadas com a finalidade de receber mais corpos. Outros túneis seriam escavados no nível inferior e também em direções diferentes, o que resultou nos impressionantes labirintos em torno de Roma, tão extensos que ainda hoje novos túneis são descobertos.



As pinturas das catacumbas



«Noé na Arca - séc. III, Catacumba de São Pedro e São Marcellinus, mostrando Noé com postura orans»



Considerar como grandes obras de arte as pinturas que decoravam as paredes das catacumbas, seria um exagero. Elas derivam da arte decorativa que a partir de Pompéia passou a ser usada na maioria das casas romanas. Com muita freqüência os temas das pinturas dos cristãos utilizavam motivos tradicionais como cupido, as estações, animais, cestos cheios de pães, etc. O Bom Pastor, tomado da arte pagã, era representado tocando uma flauta, com um carneiro no ombro ou cercado por seu rebanho. Embora representada por uma figura de mulher rezando com os braços levantados, a orans simboliza a alma de uma pessoa morta. Cenas do Antigo e do Novo Testamento também são encontradas nas paredes das catacumbas, sendo necessário algum conhecimento para identificar Noé emergindo de uma arca, Jonas adormecido sob o cabaceiro ou Daniel na cova dos leões. A multiplicação dos pães é representada por uma cesta cheia de pães e de peixes e se o apreciador não tiver conhecimento do castigo imposto por Nabucodonosor, aos três blasfemadores hebreus, não vai entender a cena dos três jovens lançados na fogueira. Mais tarde aparecem imagens mais elaboradas, como a adoração dos Reis Magos e outras.



Os estilos de todas estas pinturas são fluentes e descontraídos, as cores são alegres e claras. Os movimentos e as atitudes das figuras são de concepção arrojada, mas os rostos são apenas esboçados na maioria das vezes. Estes trabalhos antigos têm mais importância do ponto de vista religioso e histórico do que propriamente artístico, mas por outro lado não seria prudente julgar a arte cristã primitiva apenas pelos exemplos conhecidos. É possível que uma arte mais elaborada tenha florescido nas igrejas primitivas e a arqueologia ainda não tenha dado a última palavra.



A Arte Cristã teve grande impulso depois do Edito de Milão, quando o Imperador Constantino ordenou a construção de muitas igrejas na Europa, África e Ásia. No início da Era Constantino, os construtores submetiam a edificação de um santuário ao monumento que ele comemorava. Ou seja, o resultado das pesquisas arqueológicas autorizadas limitava os arquitetos, e a glorificação das relíquias encontradas impunha ao cliente uma despesa inevitável, pois estas eram encerradas em mármore e cercadas por colunas, balaustradas e lâmpadas.





«Mosaico da Abside da Igreja Santa Pudenziana, final do século IV - Roma. A cena mostra Cristo entronizado entre os apóstolos, acompanhado por personificações das igrejas da Circuncisão e dos Gentios. Ao fundo, o Gólgota com a cruz colocada por Constantino ou Teodósio»



Os gastos despendidos na preparação desses locais tornavam necessário que os edifícios fossem construídos com maior solidez. Mas as formas arquitetônicas cristãs foram estabelecidas numa época em que os outros tipos de edifícios eram construídos com o emprego de elaborados métodos técnicos. Esses métodos foram usados pela primeira vez nas termas ou banhos públicos - uma grande sala, coberta por três abóbadas ogivais, apoiadas em ambos os lados por abóbadas mais baixas, sustentadas por colunas.



Essas construções assemelhavam-se mais a um frigidário (frigidarium) do que aos edifícios de colunas e tetos de madeira que formavam as basílicas do Fórum original ou mesmo aquelas de Trajano. Diante das novas necessidades das igrejas cristãs, os arquitetos, incapazes de explorar essas inovações, voltaram aos métodos tradicionais, adotando estilos menos complexos, talvez por medida de economia. A evolução da construção das igrejas o leitor pode acompanhar lendo a série de artigos intitulada "A Igreja Através dos Tempos", que nesta edição está na página 17.



Na decoração das igrejas cristãs, as tradições dos artistas romanos foram adotadas sem reservas e seus motivos usados sem qualquer preocupação com as interpretações simbólicas que poderiam ter por parte dos pagãos. A decoração das abóbadas de Santa Constanza, por exemplo, é típica sob esse aspecto. Possui complicados padrões geométricos encontrados em pavimentos de mosaicos dessa época ou anteriores. Em Sousse, ou em Cherchel, no Norte de África, existem muitos exemplos dessa combinação de círculos e polígonos com os lados arredondados contendo pássaros, animais, cupido ou meninas dançando. Do mesmo jeito, cenas da colheita das uvas - o carregamento dos carros de bois e camponeses nus esmagando as uvas - são encontradas através de toda a arte pagã. Os arabescos de videira apresentam os conhecidos putti. O motivo pode ter vindo diretamente, sem transição, de seu significado dionisíaco para simbolizar a Eucaristia; motivos semelhantes podem ser vistos nas catacumbas.



Outro exemplo é o grande mosaico da igreja Aquiléia, que data do início do século IV, onde animais estranhos à simbologia cristã estão dispostos em composições geométricas que formam uma moldura em torno de pássaros, peixes, bustos humanos, cenas como o bom pastor e outras de difícil interpretação. Outra parte do piso representa o mar cheio de peixes, características dos mosaicos alexandrinos. Entre cenas de pesca, vê-se Jonas sendo lançado fora de seu barco e engolido pelo monstro marinho. Em outra parte pode ser visto o profeta adormecido sob o cabaceiro. O motivo cristão é mais uma vez tratado da mesmo forma que nas catacumbas.



Uma iconografia cristã parece ter sido desenvolvida nesse mesmo tempo, como se pode constatar em Santa Costanza, nas conchas da capela da abside, onde Cristo é avistado no céu, sentado sobre o globo, ou de pé sobre a rocha da qual nascem os quatro rios do Paraíso, entregando a Lei aos apóstolos Pedro e Paulo. Os monumentos em Jerusalém parecem ter uma grande variedade de temas que apresentam toda uma série nova de cenas, isoladas ou agrupadas. A iconografia é estável, deixando supor a existência de modelos conhecidos, provavelmente as próprias pinturas e mosaicos que decoravam os Lugares Sagrados. Essas cenas incluem a Ressurreição, com as santas mulheres chegando ao sepulcro, recebidas pelo anjo. Existe a Ascensão, a Anunciação, a Crucificação, a Natividade, a Visitação e o Batismo de Cristo.



O mosaico dos fins do século IV na abside de Santa Pudenziana apresenta Cristo entronizado no centro, cercado dos apóstolos e de duas figuras femininas, interpretadas como alegorias. Uma pedra está atrás do trono (a pedra do Calvário), onde uma cruz está cravada, colocada ali por Constantino, ou por Teodósio II. Ao fundo estão os monumentos de Jerusalém - os santuários colocados em torno dos lugares sagrados já mencionados, e que aqui sugerem a Jerusalém celestial. No céu aparecem os símbolos apocalípticos dos evangelistas. Essa obra, relacionada com os trabalhos de Santa Costanza e com cenas representadas nos sarcófagos e catacumbas, revela uma iconografia já estabelecida, na qual a vida terrestre e a vida celestial de Cristo estão inter-relacionadas como significação da união de duas naturezas numa mesma pessoa. A segunda pessoa da Santíssima Trindade teria sua vida terrestre logo descrita, assim como a história dos patriarcas, nas paredes de Santa Maria Maggiore, em Roma. A partir daí, sua soberania era reconhecida e representada em cenas nas quais o Salvador está entronizado em meio aos apóstolos como um imperador em sua corte. E a Cruz do martírio tornou-se através dos tempos o símbolo do seu triunfo.



Mosaicos de Ravena

Para um melhor entendimento da Arte Cristã nos séculos V e VI, nada melhor do que conhecer Ravena. Nesta cidade, localizada à beira do Adriático, foi que o Imperador Honório se estabeleceu no século V e onde sua irmã Galla Placídia governou para o filho Valentiniano III, dando à cidade o aspecto de capital. Ali também governou o Rei da Itália, Teodorico, e Belisário fez de Ravena a capital do exarcado representante do Estado bizantino no Ocidente.





«A procissão dos Mártires, mosaico do sécs. V e VI em S. Apollinare Nuovo, Ravena. Vista da decoração da parede sul. Sobre os arcos está um friso em mosaicos com a procissão dos mártires, levando ao Cristo entronizado. Em cima, entre as janelas do clerestório, figuras de santos representados como estátuas em nichos; sobre cada janela há um mosaico do ciclo narrativo das cenas da Paixão»



O desenvolvimento da arquitetura e da arte dos mosaicos em Ravena mostra uma fusão de estilos italianos e orientais, sendo um dos exemplos mais bem sucedidos da Arte Cristã. Os mosaicos seriam a decoração das igrejas orientais durante dez séculos consecutivos. Em Ravena, os artífices tiveram que resolver todos os seus problemas - técnicos, decorativos, figurativos e iconográficos -, de uma arte que teve suas origens na Grécia, ficando depois bastante popular em todo o Império Romano.



Inicialmente os mosaicos eram feitos como piso, na Síria e na África e depois encontrados na Sicília, onde se acredita o Imperador Maximiano se exilou. Em Pompéia escavações revelaram que os mosaicos eram usados apenas na decoração de fontes. De alguma forma eles também são usados em monumentos funerários e também, de forma monumental, aparecem nas abóbadas de Santa Constanza. Se durante esse período os mosaicistas tinham limitações ao decorar o piso, por razões de durabilidade, quando os mosaicos murais passaram a ser usados em Ravena, essa limitação acabou, aumentando consideravelmente o uso de cubos de vidro. Os fundos de pedra calcária ou mármore foram substituídos primeiro pelos azuis, depois pelos dourados, proporcionando às composições um brilho esplêndido, e a mesma luminosidade dos interiores das igrejas bizantinas. O efeito azul do mausoléu de Galla Plácidia, enriquecido pelo brilho dourado, revela uma nova sensibilidade e sentimento de cor.



Os artistas passaram a contar com grandes superfícies a serem decoradas no interior das igrejas. Havia não só paredes inteiras a decorar, mas também paredes interrompidas por janelas e arcadas cegas, tímpanos semicirculares e absides hemisférica, cúpulas e abóbadas. O trabalho realizado no octógono de S. Vitale, monumento plenamente bizantino, alcança a culminância do estilo. Continua intacta, no seu presbitério, toda a decoração de mosaicos.



Muitos dos motivos utilizados na decoração já existiam nas catacumbas cristãs, na arte monumental romana e mesmo em épocas anteriores. Desde os assírios o motivo da procissão tinha sido adaptado pelos artistas numa composição retangular onde as figuras da mesma altura seguiam umas às outras. O tema da procissão militar foi seguido pelo da procissão triunfal em direção a um deus ou um rei sentado ao trono, às vezes cercado de dignitários. Este tema tradicional foi magnificamente utilizado em S. Apollinare Nuovo: partindo das cidades de Ravena e Classe, os mártires saem do pórtico em direção à abside para oferecer suas coroas a Cristo e à Virgem. Na mesma S. Apollinare quadros históricos foram colocados em painéis sobre o clerestório, da mesma forma que em Santa Maria Maggiore, meio século antes. Os apóstolos e profetas entre as janelas, com magníficas conchas vermelhas e douradas sobre as cabeças, são lembranças da disposição clássica das estátuas em nichos. O tipo de arranjo parece ser uma tentativa de reproduzir uma decoração em relevo em duas dimensões. Em S. Vitale e em S. Apollinari in Classe consiste a decoração em uma cena triunfal desenrolada no céu - o triunfo de Cristo ou de um santo numa cena simbólica ou figurativa do Paraíso. Essa representação, com vista frontal da figura principal e as figuras de apoio em simetria, apresenta uma visão global, até a extremidade da igreja, de uma imagem de devoção com notável efeito dramático. Este tipo de representação é encontrado através de toda arte bizantina, sempre se mantendo a frontalidade e a simetria.



A existência de um teto independente na composição da basílica obrigava que a decoração fosse fragmentada. Mas a construção das abóbadas fez com que os mosaicos ganhassem mais espaço, resultando em uma unidade decorativa. As figuras tratadas individualmente ficaram desapercebidas, como certas figuras integradas numa folhagem dourada da igreja de Galla Placídia, por exemplo.





«A Imperatriz Teodora e sua comitiva (546/548)- Mosaico do presbitério de S. Vitale - Ravena»



Na igreja de S. Vitale as paredes laterais dos presbitérios são decoradas com um fundo de pedras estilizadas, com desenhos de folhagem, flores e animais. Sobre esse fundo estão colocadas figuras de profetas, tão integrados nesta decoração difusa que pouco são notados. Mas na abóbada, os anjos segurando a grinalda que circunda o Cordeiro de Deus tornam-se os elementos focais da decoração de folhagem que os circunda. Acentuada pelas cores que a cobrem, a arquitetura parece ter sido reinterpretada.



O período coberto pelo pelos monumentos de Ravena é muito instrutivo no desenvolvimento da representação da figura humana. Comparando os dois grupos de apóstolos ou os dois medalhões representando o Batismo de Cristo, de épocas diferentes, nos batistério dos arianos e dos ortodoxos, e comparando os profetas entre as janelas com a procissão de mártires em S. Apollinare Nuovo, nota-se a mesma mudança profunda.



Desde o século V a estilização das vestes vinha sendo acentuada, mas os rostos eram ainda tratados como se fossem retratos pintados.



No século VI surge um novo estilo, mais bem adaptado à decoração monumental, e que precedia de um espírito novo. Nas vestes, por exemplo, não há nenhuma tentativa de modelar os sombrear as cores; elas são simplesmente indicadas por um jogo de linhas destinado a sugerir tanto o movimento do material quanto os dos corpos que cobrem. Esse uso de contrastes de motivos escuros sobre um fundo claro é um efeito de cor. Isso é visto mais claramente quando a toga é substituída pelas clâmides e os tecidos brancos pelos debruns coloridos e brocados. É isso que cria o contraste entre as duas procissões de S. Apollinare Nuovo nas quais as magnificentes vestes da corte de santos são apresentadas como superfície vermelha, ao passo que as figuras dos mártires mantêm um certo relevo, apesar da simplicidade com a qual as dobras de suas togas brancas são desenhadas. Nos famosos quadros que representam Justiniano e Teodora em S. Vitale, surpreende o brilho incomparável da superfície colorida na qual o esplendor das vestimentas e a riqueza dos costumes da corte mesclam-se a uma espécie de maravilhosa tapeçaria.



Observados atentamente, esses quadros não são estáticos, apesar dos movimentos quase desaparecerem na rigidez das vestes e na frontalidade das figuras. Estranha ao Ocidente Romano, esta tradição artística originou-se no Oriente helenizado, onde as tradições levadas por Alexandre até as fronteiras da Índia, desenvolveram-se segundo regras próprias e resultaram em formas artísticas bem diferentes de suas fontes européias. Michael Rostovtzeff chamou estas formas de arte parta, que exerceu influência decisiva sobre a pintura bizantina. A frontalidade geralmente cria uma simetria total nas figuras. Mas também há ocasiões em que as figuras deixam de ser fixadas numa posição frontal por causa da simetria, seja nas procissões ou em uma das cenas mais ativas. Encontram-se alguns rostos completamente de perfil. Com o triunfo destas tendências, penetramos numa nova estética, na qual o realismo e o respeito por volumes e formas cedem lugar à cor e à visão. É um mundo bidimensional que se presta à expressão e ao simbolismo.





«A Transfiguração, (540), mosaico da Abside da Igreja de Santa Catarina»



Dentro destas edificações monumentais e seguindo esta nova estética, os mosaicistas de Ravena trataram os assuntos cristãos que lhe foram encomendados. Curioso é que em Ravena a história religiosa - o Antigo e o Novo Testamento - parece ter sido relegado a um segundo plano, muito embora se encontre sua expressão essencial em S. Apollinare Nuovo. Existem representações dos milagres de Cristo, a traição de Judas, a Ressurreição, etc. Mesmo quando ilustram algum outro episódio bíblico, as pinturas com personagens nos outros edifícios de Ravena parecem ter um valor simbólico. Os profetas e mártires, Reis Magos e anjos que nos transportam para além de nosso mundo estão na cidade celestial. Esta evocação de um mundo melhor, envolto pelo azul do céu e o dourado do sol, é encontrada em todas as obras - e confere à decoração seu valor real. Profetas, santos, apóstolos, mártires, estão em todas as partes proclamando e aclamando a divindade de Cristo e a verdade de sua promessa. Em seus símbolos, como em suas cores, a decoração das igrejas de Ravena revive a esperança de salvação.



Iconografia: «O Iluminismo»

A primeira parte da Bíblia Cristã é o Antigo Testamento, que conta a história do povo judeu. A segunda parte, o Novo Testamento, é basicamente a biografia de Jesus. Em ambos os livros, embora certos capítulos tenham caráter litúrgico, profético ou lírico, o caráter dominante é o narrativo.



Por ser também e principalmente uma religião do livro, e por razões pedagógicas, ou grande necessidade de retratar caracteres e acontecimentos religiosos, muito cedo os cristãos se voltaram para a ilustração de livros. Exemplos dessa antiga arte miniaturista são encontrados em muitos livros de evangelhos. Os antigos exemplares que foram preservados geralmente são do século X e XI, mas existem alguns mais antigos, como os manuscritos púrpura do Gêneses de Viena e os Evangelhos de Rossano, que remontam ao século IV.





«A Ascensão - ilustração em miniatura de evangelhos do século XV»



Através de gerações as iluminuras, a exemplo dos textos, foram copiados e recopiados, não por falta de imaginação, mas para manter o caráter sagrado e inviolável do livro que as figuras ilustravam e que constituem uma iconografia. A exemplo de pintores de afrescos e mosaicistas, os primeiros miniaturistas, para glorificar os principais acontecimentos da história cristã, também faziam representações de determinados episódios.



Os Octateucos e Evangelhos eram amplamente ilustrados, cada parágrafo tinha seu comentário pictórico, assemelhando-se muito às histórias de quadrinhos atuais. É até possível seguir a narrativa acompanhando os desenhos. A origem desta prática é confusa. Sabe-se que no século IV os gregos e romanos usavam desenhos em miniaturas em dois tipos de livros, havendo ainda os "volumina", longos rolos de papiro que aparecem nas mãos de muitas estátuas de cidadãos romanos. Neste caso as ilustrações eram limitadas à largura da coluna. No Rolo de Josué, em pergaminho, as imagens seguem-se umas às outras sem interrupção em longas tiras, como a decoração da coluna de Trajano.



Do século IV em diante, os manuscritos passaram a tomar forma de livros de pergaminho (códices), com as ilustrações ainda colocadas em colunas, algumas se expandindo por toda a página. Com isso as miniaturas tornaram-se verdadeiros quadros. O mesmo esquema era usado na representação de cenas, de um manuscrito para outro. Nos evangelhos, que eram ilustrados cada vez que se fazia uma copia, a semelhança é indiscutível. A obediência a esse modelo não impediu que os pintores usassem as suas habilidades e fizessem encantadoras variações que revelassem o naturalismo, o gosto pelo exótico, e o estilo cheio de vida de diferentes miniaturistas

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